Especialista destaca a importância de análise técnica diante da instabilidade nas relações comerciais
Giselle Farinhas, advogada internacional, avalia os impactos das novas tarifas americanas sobre produtos brasileiros
Especialista destaca a importância de análise técnica diante da instabilidade nas relações comerciais
Entraram em vigor nesta quarta-feira (6) as tarifas de importação de 50% impostas pelos Estados Unidos sobre uma ampla gama de produtos brasileiros. A medida, determinada por decreto assinado pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump em 30 de julho, impõe uma tarifa adicional de 40%, elevando o total de taxação a 50%. Apesar disso, o decreto inclui uma longa lista de exceções, como suco de laranja, aeronaves civis, petróleo, veículos e peças, fertilizantes e produtos energéticos.
Segundo a Casa Branca, a decisão foi motivada por ações do governo brasileiro que representariam uma “ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos EUA”. O texto menciona “perseguição política, intimidação, assédio, censura e processos judiciais” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores, citando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, como figura central nesse contexto. Também são mencionadas ações contra empresas americanas que operam no Brasil, incluindo bloqueio de ativos e restrições em plataformas digitais, o que acirrou o discurso político que embasou a tarifa.
De acordo com Giselle Farinhas, advogada internacional com atuação especializada em comércio exterior, a adoção de medidas tarifárias baseadas em argumentos políticos pode comprometer a segurança jurídica e a estabilidade institucional das relações comerciais internacionais. “A previsibilidade é um pilar do comércio global. Quando decisões unilaterais são adotadas com base em percepções políticas, há um rompimento com os compromissos multilaterais e um abalo direto na confiança entre os agentes econômicos”, explica.
A especialista ressalta que o aumento abrupto nas tarifas afeta negativamente empresas exportadoras brasileiras, podendo repercutir na balança comercial, nos investimentos bilaterais e nas cadeias produtivas que envolvem insumos e tecnologias norte-americanas. O impacto se dá também sobre o consumidor final, diante da possível elevação de preços em setores estratégicos, como o de tecnologia e máquinas industriais.
Embora o governo brasileiro tenha sinalizado a possibilidade de aplicar tarifas de valor equivalente sobre produtos importados dos Estados Unidos, com fundamento no princípio da reciprocidade — previsto no direito internacional —, Giselle alerta que essa reação deve ser analisada com cautela. “A aplicação espelhada de tarifas, ainda que juridicamente viável, pode acabar por penalizar setores nacionais que dependem de insumos, tecnologia ou equipamentos norte-americanos, gerando um efeito reverso ao pretendido”, avalia.
Mais do que uma questão econômica, a decisão dos Estados Unidos desafia os marcos normativos do sistema multilateral de comércio, baseado nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Giselle Farinhas destaca que a previsibilidade, a estabilidade jurídica e a confiança nas instituições são pilares indispensáveis para garantir relações comerciais equilibradas e duradouras.
Nesse contexto, a advogada avalia que o episódio evidencia a importância de o Brasil reavaliar, com maturidade institucional, os elementos políticos e jurídicos que vêm sendo interpretados por parceiros internacionais como possíveis riscos à segurança jurídica e à liberdade econômica. “A presença de motivações políticas nas justificativas comerciais, como as que constam na carta norte-americana, exige uma resposta cautelosa e estratégica por parte do governo brasileiro, que deve buscar preservar sua reputação internacional, especialmente junto a fóruns como a OMC”, pontua.
Ela observa que, ao sinalizar compromisso com o diálogo institucional, o respeito aos acordos multilaterais e a separação entre política interna e comércio exterior, o Brasil poderá reduzir ruídos diplomáticos e contribuir para a estabilidade do sistema global. “A proteção da imagem regulatória e jurídica do país no cenário internacional é fundamental para atrair investimentos e evitar retaliações comerciais”, conclui.

Entre os reflexos já em curso, circulam informações de que empresas multinacionais, como o Google, estariam avaliando a possibilidade de encerrar ou reestruturar suas operações no Brasil, diante do cenário de insegurança jurídica e aumento das pressões institucionais. O movimento pode indicar uma tendência de retração de investimentos externos e de reposicionamento estratégico de empresas globais, ampliando os impactos econômicos da atual crise diplomática.
Com a aproximação das eleições norte-americanas e a intensificação do debate político no Brasil, o cenário exige atenção redobrada de empresas, investidores e autoridades públicas que atuam no comércio exterior. A condução diplomática dos próximos passos será decisiva para definir os rumos da política comercial brasileira e a preservação de sua posição estratégica no mercado internacional.