A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de decretar a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), nesta segunda-feira (4/8), foi uma “consequência lógica” das violações das restrições impostas ao capitão reformado. A percepção é de advogados entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Alexandre ordenou prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro
Para os especialistas, a prisão é resultado da ineficácia das medidas cautelares impostas por Alexandre, que, no último dia 18, determinou o uso de tornozeleira eletrônica por Bolsonaro.
Na ocasião, ele também estabeleceu obrigação de recolhimento domiciliar noturno e proibiu o ex-presidente de se comunicar com autoridades estrangeiras e de se manifestar por meio das próprias redes sociais ou de terceiros.
Ao ordenar a prisão domiciliar, Moraes considerou que Bolsonaro violou a restrição de acesso às redes ao dirigir-se a apoiadores por meio do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-SP). Os dois publicaram vídeos que, na percepção de Alexandre, violaram as restrições impostas
“A medida de Moraes segue a decisão anterior que impôs as cautelares. Essa decisão foi referendada pelo colegiado, ou seja, a 1ª Turma. Consequentemente, a nova decisão segue essa linha de cadeia decisória. Descumprida qualquer das medidas, a medida mais gravosa é decorrência lógica. Por isso, como houve o descumprimento, a decisão de prisão domiciliar está respaldada”, avalia Lenio Streck, constitucionalista e colunista da ConJur.
Para os advogados consultados, é possível questionar se o impedimento de usar as redes é uma limitação indevida à liberdade de expressão. “As decisões não proibiam entrevistas e manifestações, exceto em redes sociais. Por isso, e sempre respeitando posicionamento diverso, a utilização da mera aparição e saudação do ex-presidente, como fundamento de sua prisão, tem sabor de antecipação de pena e se confunde com a imposição de censura”, afirma o criminalista Alberto Toron.
Giselle Farinhas, sócia do GFAC Advogados, concorda que houve descumprimento das cautelares, mas faz uma ressalva sobre o que chama de restrição à liberdade de expressão do ex-presidente.
“Há excesso quando (as cautelares) restringem a liberdade de expressão do acusado que ainda não se encontra condenado. Ao impor medidas sancionatórias à liberdade de expressão, no curso do processo, sem que isso implique em obstáculos à Justiça, na verdade, há uma pena precipitada que diverge dos preceitos constitucionais”, completou.
Apesar das contestações, a imposição das cautelares a Bolsonaro foi respaldada por maioria na 1ª Turma do STF e pela Procuradoria-geral da República, que pediu as restrições. Uma vez que a decisão de Alexandre foi confirmada pelo colegiado, as manifestações do ex-presidente por meio de terceiros foram uma desobediência clara.
“A prisão domiciliar foi aplicada como a consequência legal prevista para a ineficácia das medidas mais brandas em cessar a prática dos atos que o processo visa coibir, que é evitar o uso de capacidade de mobilização popular para prejudicar a atuação do Judiciário brasileiro”, explica o criminalista Eduardo Mauricio.
Raquel Mesquita, também criminalista, afirma que Alexandre já havia conferido uma “segunda chance” ao ex-presidente, já que Bolsonaro já tinha desrespeitado em outros momentos as restrições impostas pelo STF.
“O ministro permitiu à defesa do acusado que se manifestasse sobre o descumprimento. Mas, no domingo, o ex-presidente voltou a transgredir o que fora imposto, cabendo ao ministro a decisão correta de aplicar a prisão domiciliar.”
Decisão de ofício
A prisão domiciliar foi decretada de ofício — sem manifestação da PGR ou da Polícia Federal — e de forma monocrática. Para os advogados, essa condição pode provocar questionamentos. Alexandre, no entanto, não cometeu irregularidade porque, conforme fundamentado, a prisão domiciliar foi apenas um desdobramento de cautelares que já haviam sido referendadas pelos pares.
“O juiz pode, sim, ao constatar violação de medidas cautelares, decretar a prisão de ofício, especialmente quando a situação de flagrante afronta à ordem judicial representa risco à instrução ou à integridade do processo”, diz o criminalista Marcelo Aith.
“Ainda assim, a ausência de provocação do Ministério Público pode alimentar questionamentos quanto à forma do ato decisório, o que poderá ser objeto de recurso e debate no colegiado.”
Na opinião do criminalista e professor de Processo Penal Thiago Minagé, existe um conflito de interpretações no CPP sobre a decretação de ofício de uma prisão domiciliar. Por um lado, o artigo 311 determina que as prisões devem ser decretadas “a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.
O artigo 312, por sua vez, estabelece que a prisão pode ser decretada “em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares”, o que foi o caso de Bolsonaro. “Cabe interpretação. Mas no caso foi prisão domiciliar, logo, entendo que nesse caso específico se prevalece o §1º do art. 312 do CPP”, opina.